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Por que erramos ao gritar Diretas Já?

Maio 24, 2017 - 23:47
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Em meio ao caos generalizado no qual transformou-se a política institucional brasileira e mundial nos últimos anos, discursos incoerentes vem ganhando destaque na mídia e espaço entre a população de forma assustadora. Tendo em vista a polarização no espectro político nacional, de um lado temos o discurso assumidamente de direita – na maior parte das vezes oriundo das classes média e alta, eleitores de partidos como o PSDB e o PMDB, que pautam a ideologia neoliberal, como João Dória, ou defensores de políticos assumidamente conservadores e autoritários como Jair Bolsonaro e sua família, defensores da intervenção militar – e do outro lado temos o discurso fantasiado de esquerda mas que compôs a mesma agenda neoliberal que dizia combater, é o caso do PT, CUT e sua base, que estavam desaparecidos mas agora reapareceram nas ruas, após anos de silêncio, mesmo diante da aprovação de leis de repressão e censura como a lei antiterror aprovada por Dilma, o silêncio diante do genocídio nas favelas durante o governo PT, as diversas remoções para dar lugar aos megaeventos e o massacre contra o povo indígena financiado por empresários ligados ao partido, que ainda contou com a nomeação de Kátia Abreu.

Desde o ano de 2015, a direita vem mostrando sua força e sua articulação adquirida nestes 13 anos de um governo que por um lado soube dialogar muito bem com as elites e por outro aparelhar os movimentos sociais com seus editais e cooptação. Propiciando a organização dos setores tanto os conservadores quanto os liberais. Com a mudança da política econômica mundial, que viu a política social-democrata chegar ao seu limite, desacelerando os lucros do empresariado, viu-se o momento ideal para a guinada neoliberal de corte de direitos sociais e arrocho da classe trabalhadora.

No Brasil, como na Europa, EUA e pela América Latina a dentro, os governos chamados de "esquerda" se viram sofrendo derrotas sucessivas e a ascensão de governos com políticas sociais conservadores e a aceleração da imposição de políticas econômicas neoliberais. No Brasil esse quadro, que contou com grande apoio da mídia corporativa e das classes média e alta, conseguiram derrubar a ex-presidenta Dilma – e mesmo antes do impeachment, a direita já havia cooptado a base congressista, tornando a governabilidade da petista quase nula. Esse foi o "golpe" tão oportuno que a classe empresarial e financeira do país deu para garantir que o debate político se mantesse reduzido entre a imagem de um partido que encarnou a histórica corrupção do país e dos vários heróis promovidos por essa mesma classe.

Ocorre que, com a derrubada de Dilma, o atual presidente Michel Temer, cujas medidas seguem essa tendência conservadora e neoliberal – sofreu uma série de pressões do outro lado do espectro antes citado. A ala ex-governista tomou as ruas ao ponto de transformar o “Fora Temer” em uma das marcas de maior sucesso da atualidade, tendo seu ápice até na venda de roupas, acessórios e até panos de chão.

As medidas impopulares do atual governo, com o pacote de reformas da previdência e trabalhista ajudaram a esquentar esse caldeirão, levando a classe trabalhadora, principalmente a sindicalizada e associada a CUT, historicamente aparelhada ao Partido dos Trabalhadores (PT), a se organizar em protestos contra as reformas tanto quanto ao atual governo.

Com o clímax das mobilizações populares atingido diante da tentativa de se aprovar às pressas a reforma da previdência, a revolta ganha cada vez mais espaço entre os movimentos sociais, com greves gerais sendo organizadas mensalmente causando prejuízos à burguesia, eis que Michel Temer sofre um boicote de seu patronato.

A JBS, meses antes envolvida na “operação carne fraca”, vaza para a mídia um áudio no qual o presidente fala claramente em comprar o silêncio de Eduardo Cunha, ex-presidente da câmara dos deputados e ídolo da direita conservadora por tentar aprovar a redução da maioridade penal. À direita, o silêncio. À esquerda institucional, a comemoração e a oportunidade da reconquista do poder. Dois lados opostos de uma mesma moeda, que há anos gira em um cara ou coroa interminável. A esquerda, com o PT envolvido em esquemas de corrupção e políticas retrógradas tenta sair por cima dessa reviravolta toda. A direita, com a queda trágica do presidente que eles instituíram através do impeachment e que vinha cumprindo a agenda de retirada de direitos históricos da classe trabalhadora, agora tenta se explicar com o malabarismo dos discursos e da desinformação.

A euforia toma conta do país. O sangue nos olhos fazem o povo brasileiro ansear por mudanças imediatas, principalmente na eminência de perder seus direitos mais básicos. A população trabalhadora não vê a hora de ir à rua. Algo tem que ser feito. É nesse momento que entra em foco o erro mais grotesco que uma esquerda, dado o momento de insurreição geral, poderia cometer: as Diretas Já.

Não precisaram muitas horas para os primeiros protestos já estarem no ar. A pauta, em todos eles, eram as eleições gerais. - eleições essas que há décadas são incapazes de sanar as mazelas e realizar os sonhos da população brasileira, trazendo cada vez mais decepção e desgosto pela política. O povo não se vê mais representado pela democracia representativa. Nas últimas eleições, observou-se um número elevadíssimo de votos nulos e brancos, ainda maior que as taxas de 2014, que foram maiores que as de 2012 e assim por diante. A cada ano, vislumbra-se mais descrença pela democracia representativa, que pode terminar em dois caminhos: a transformação social ou a barbárie.

A esquerda institucional, preocupada em propagandear seus candidatos, esquece das reformas e pauta a luta contra Temer transformando os protestos em um grande palanque eleitoral, ainda mais ao levantar a bandeira das diretas já. O povo, que não se vê mais representado pela classe política, carece de um discurso mais radical dos setores que dizem defendê-lo. Não mais voto, não mais política burocrática. Caso a esquerda não assuma seu caráter revolucionário, perderá de vez o apoio popular, dando vez à barbárie. Uma vez que o povo, imerso na crise de representatividade, perde sua fé no sistema político e não vê alternativa, se apega a discursos distópicos, levada pelo conto do mal e do herói.

A esquerda eleitoreira que criou monstros como Bolsonaro, a esquerda os propagandeou transformando-o no mau para se vender como a salvação heroica. A esquerda os levará ao poder caso continue neste rumo. Os setores mais radicais da esquerda, presentes nas manifestações são muitas vezes criminalizados pelos partidários e por sua vez também pecam no diálogo com a população.

A esquerda revolucionária cresce, mas cresce a passos lentos. É necessário um diálogo maior, é necessário o trabalho de base e a organização, simultâneos à luta. Diretas já é um erro que não pode ser relevado, assim como a falta de organização e diálogo em momentos como esse. São necessários, além da presença nos protestos e da busca pelo diálogo e pela mobilização de base, espaços de articulação entre a esquerda autônoma, independente e popular. A organização faz-se fundamental em todos os contextos e sua falta na conjuntura atual é desastrosa e tira da classe trabalhadora a oportunidade de emancipação.

As últimas manifestações mostraram o tamanho da revolta. Ministérios inteiros foram incendiados e a população vem mostrando sua capacidade de imposição, no entanto, sem organização de base popular e sem a busca por pautas reais da população, os protestos passarão e o futuro apenas repetirá o passado. A bandeira das Diretas Já apenas levará outra geração à frustração e à apatia em alguns anos, quando tiver que ser levantada novamente, dado o ciclo de concessões e retiradas de migalhas pelo Estado capitalista, o levante será quase que do zero.

Pode-se dizer, inclusive, que por trás da bandeira da Diretas Já há algo ainda mais profundo que impede a transformação social, pois ela aprofunda a crença que não há possibilidades para além do voto. A solução virá de forma messiânica através de um governante bonzinho.

Pensemos no potencial das trabalhadoras e trabalhadores do campo e da cidade, indígenas e quilombolas revoltados pedindo a queda da democracia representativa, organizando-se em comitês de trabalhadoras e trabalhadores, comitês de bairro, organização da produção visando a autonomia alimentar e propagandeando a luta gerando cada vez mais adesão… Esse é o papel histórico e revolucionário da esquerda e aí talvez possamos pensar em não ter que pedir Diretas Já nunca mais.

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