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Reflexões para construir uma força autônoma diante do caos que vivemos

Maio 30, 2018 - 13:39
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Escrevo este texto pela urgência de posicionamentos e ações frente a situação intensa e controversa desencadeada pela greve dos caminhoneiros.

Este não é mais um textão para ser lido no meio de uma “linha do tempo” manufaturada pelo Facebook, nem no meio de correntes de pânico no bombardeio de informações que é o Whatsapp.

Peço que use essas reflexões como ferramenta para dar um passo atrás, pensar por conta própria sobre os acontecimentos em curso e se encontrar com pessoas de confiança para conversar sobre a conjuntura.

Desde a semana passada a greve dos caminhoneiros deixou tudo quanto é grupo político desbaratinado, a torto e a direita, mas sobretudo a esquerda. Muita gente de esquerda está com medo da mobilização popular em curso, porque a extrema-direita foi extremamente rápida em se fazer presente nos bloqueios de estrada e tentar tomar as rédeas da situação.

É preciso entender que um movimento de greve e de sabotagem às empresas obviamente não serve aos interesses dos fascistas, e que é justamente por isso que eles estão usando seus recursos para tentar impôr a pauta da intervenção militar aos grevistas. Já está mais que evidente que as pautas comuns da greve são a redução do preço da gasolina e do óleo diesel e melhores condições de trabalho para os grevistas.

Existe sim uma contradição no seio do movimento entre locaute e greve, entre servir aos interesses dos empresários e dos patrões ou servir aos interesses do povo. A grande questão é que a greve definitivamente fugiu do controle dos patrões. Certas pessoas ainda não entenderam que quando aparece uma tsunami na sua frente, ou você surfa na onda ou você toma um caudo. Fugir para a areia achando que vai encontrar terra firme é uma ilusão. Ficar paralisado pelo medo também não adianta nada. Como dizem alguns amigos, a época é dos tenazes.

O perigo da conjuntura atual reside no fato de que grupos fascistas e paramilitares tem muito mais estrutura e confiança nas suas ações do que os movimentos sociais autônomos e os grupos políticos anticapitalistas. É a direita no trabalho de base e a esquerda no imobilismo. É o Estado na ação direta e os revolucionários a reboque.

Em um momento como esse de crescente destruição das nossas vidas, temos necessidade mais do que nunca de retomar princípios fundamentais para a nossa sobrevivência. Princípios que anarquistas sempre defenderam, como a ajuda mútua, a autodeterminação dos povos e a ação direta. Falo aqui de não pedir permissão para agir em solidariedade, de construir autonomia sem ficar na defensiva, de se fortalecer com os seus e a partir da convivência criar suas próprias regras.

É preciso sair das bolhas de discussão dos “ativistas de sofá”, que sobrecarregam a todos com excesso de especulações e criam mais amarras para a ação política. Chegamos a um ponto que boicotar a Mídia é também boicotar as redes sociais.

É hora de aprender a confrontar a ansiedade característica dos meios militantes, de priorizar conversas presenciais, de ter cuidado com o outro, de compreender a autocrítica como forma de fortalecimento mútuo. Deixar de se relegar ao papel de “críticos dos críticos” e construir um contradiscurso forte e propositivo.

É preciso cultivar uma cultura de segurança que não leve mais uma vez a inação. Entender que não se trata de deixar de tomar riscos, mas sim de tomar riscos inteligentes. Aceitar que a luta é sempre criminalizada, independente de se pautar na Lei ou não, e agir a partir dessa premissa.

Sem uma profunda reestruturação dos movimentos de luta, com gestos de reflexão sincera por parte da militância, é capaz de o fascismo de fato ganhar força. Refiro-me aqui a jamais se deixar cair na falsa certeza do “militante experiente”, mas sim encarar toda experiência como definidora para a militância. Jamais deixar de rever suas práticas, simplesmente porque a própria realidade está em constante mudança.

Aos movimentos de base ligados a instituições, falta autonomia. Aos movimentos de base autônomos, que já se fazem por fora das instituições, falta enraizamento.

A extrema-direita ganha crescente inserção pelos nossos territórios, cada vez mais militarizados. Boa parte da esquerda, por sua vez, ainda acredita que vivemos em um Estado Democrático de Direitos e faz de tudo para desmobilizar toda e qualquer resistência real. Resta saber se é possível reverter o jogo de forças, e sobretudo criar mais e mais forças autônomas.

Nunca se tratou de edificar o que quer que seja. A melhor metáfora é a da alimentação. O corpo precisa se nutrir para ter força. O crescimento não é para cima, mas para todos os lados. Se não crescermos para todos os lados pelas ruas, fazendo piquetes e bloqueios de vias públicas, o que vai se alastrar cada vez mais pelas ruas é o militarismo.

Repasse estas reflexões para pessoas com quem você pode contar. Não trato aqui de apontar culpados, mas sim de fazer autocrítica como forma de ação. Organize seus próprios pensamentos a respeito do que vivemos. Considere estas ideias como abertas para discussão, pois não há um autor para você venerar ou descredibilizar. Sobretudo priorize a conversa amiga, o debate presencial, o pensamento autônomo. Já basta de ficar em círculos pensando no que fazer. Ação direta. Fazer na prática o que se pensa. Pensar sem rodeios no que está fazendo. Encarar o pensamento como uma forma de ação. Fazer pensar e por isso mesmo agir.

Uma força autônoma não deve se pautar em falsas esperanças. Os únicos votos que devem sair daqui são votos de confiança. Se existem herois neste mundo, são os que cantavam, “Façamos nós por nossas mãos tudo o que nos diz respeito!” Hoje os cantos são outros. Já passou da hora das ruas voltarem a ter ritmo de luta.

Por Silvia Silvestre.

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