Um exemplo do fisiologismo como prática de movimento
Pela sétima vez, Maria olhava aquele site no celular. Sua ansiedade não permitia que ela passasse mais de meia hora sem checar se o resultado tinha saído. Ela passou o dia tentando se conter, certa de que o prazo seria cumprido e, em breve, ela teria a resposta que tanto esperava. "Em breve", ela repetia para si mesma após cada uma das seis vezes que se frustrou ao não obter uma resposta. Mas, finalmente, o site estava atualizado e seu nome estava na lista, com uma palavra escrita em caixa alta ao lado: APROVADA. Era a continuação de um sonho. Ser a primeira pessoa de sua família a se formar em uma universidade já era uma vitória, mas conseguir entrar em uma pós-graduação em educação seria mais que um sonho! Maria queria não só ser uma professora, mas uma pesquisadora da educação e, claro, uma militante da educação. Logo que entrou na universidade, procurou a Associação de Pós-Graduandos e Pós-Graduandas (APG), mas, para seu espanto, descobriu que, naquele momento, a APG não estava atuante. Existia apenas uma comissão gestora, que, pelo que ela tinha entendido, iria organizar as próximas eleições.
O tempo passou e outras coisas foram acontecendo. Os ataques constantes à educação, o quase fim do PIBID, a controvérsia das Olimpíadas e tudo o que elas trouxeram, o exército na favela e o impeachment da então presidenta Dilma mexeram com Maria. Ela se dividia entre acompanhar todos esses acontecimentos, lutar, sobretudo contra os cortes na educação, e ainda dar conta do trabalho e da pesquisa. O tempo continuou a passar, e Maria não teve mais notícia da APG. Por um tempo, ela nem pensava nisso: estava focada em sua pesquisa.
Dois anos depois, Maria já tinha terminado seu mestrado e seguia para as próximas etapas de sua vida, sem ter ouvido falar de novo da APG. Foi então que Joana entrou, também, no mesmo programa de pós-graduação. Joana e Maria não se conheciam, mas compartilhavam do interesse em unir seus estudos com sua militância. Os ataques à educação não pararam, e Joana queria ser mais uma a fazer parte dessa luta em defesa da educação pública e de qualidade. Mas Joana chegou em um momento diferente: assim que chegou, não ouvia nada sobre a APG. Pouco tempo depois, ouvia muitos rumores, um pior que o outro. Parecia que existia e não existia uma APG e, quando ela foi buscar mais a fundo, descobriu o que estava acontecendo: aquela comissão gestora, que Maria havia conhecido, havia se tornado permanente. De 2016 a 2019 não havia tido qualquer eleição para a APG e aquelas pessoas que faziam parte daquela comissão se apresentavam, em eventos fora da universidade, como se fossem membros eleitos da APG!
Será que Maria, anos atrás, imaginaria o que estava para acontecer? Em sua ingenuidade - ou honestidade? -, ela esperava que a comissão se dissolvesse com as próximas eleições. Só não esperava que as eleições não aconteceriam durante todo esse tempo. Joana, por sua vez, estava revoltadíssima com o golpe dessa comissão. As práticas da macropolítica se manifestavam na micropolítica. Agora, ela se perguntava: o que fazer? Como lidar com esse grupo autoritário e golpista?
E você, leitora, leitor, o que faria no lugar delas?
Apesar dos nomes fictícios, os acontecimentos são reais. Os relatos do decorrer da eleição da APG UERJ são chocantes, tamanho seu caráter anti democrático e fisiologista. Esses eventos nos revelam mais um interesse pela manutenção do controle de espaços numa luta pelo micropoder, do que vontade de construir uma associação que de fato esteja preocupada com a situação de estudantes da pós-graduação. Os primeiros relatos do processo eleitoral da APG chegaram a nós por essa aluna do ProPED (Programa de Pós Graduação em Educação) logo após a primeira assembléia de pós-grauandos/graduandas, ocorrida no dia 13 de Maio às 16h. Após ficar sabendo pelo facebook da APG UERJ que haveria uma assembléia para discurtir a participação e mobilizar para a manifestação do dia 15 de Maio, a aqui nomeada Joana resolveu ir. Chegado o dia, o que se via era uma mesa composta por intitulados membros da APG e ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos). A mesa inicia com suas respectivas análises de conjuturas e, encerrada esta parte, abre para inscrição do plenário. Passado um tempo, um aluno de doutorado relata que, em quase seus quatros anos de curso, nunca tinha ouvido falar da existência de uma APG (algo que, se comparado temporalmente, bate com o relato da aqui nomeada Maria) e pediu para que quem do plenário conhecesse, que levantasse a mão. De cerca de 30 pessoas presentes, se 4 levantaram a mão foi muito. Observando que grande maioria ali estava tão confusa quanto ele, o mesmo aluno pediu para que a mesa se apresentasse, falasse quem são os membros da APG, quando foi a eleição, até quando vai a gestão, data da próxima eleição, entre outras informações básicas para que qualquer processo democrático e transparente ocorra. Então veio a informação que deixou Joana e todos e todas do plenário consternados. Após trocas de olhares que misturavam constrangimento e preocupação, um dos membros da mesa (que veio a se tornar o presidente da APG, como será relatado posteriormente) diz que na realidade não havia associação, mas uma "comissão gestora" que vinha trabalhando na realização da eleição (desde 2016, aparentemente). Tal fala inundou o plenário com uma onda de indignação. Como assim uma suposta comissão gestora leva 3 anos para realizar eleições? A partir de então, o plenário pressinou para que houvesse outra assembéia e que nesta, fosse criada uma comissão eleitoral para, enfim, realizar uma eleição. A proposta visivelmente incomodou a mesa, mas ela não poderia ser abertamente contra as eleições.
Desmotivada com o processo, infelizmente Joana não compareceu na assembléia seguinte, realizada no dia 27 de Maio, o que nos impede de dar maiores detalhes do que ocorreu nela. Tudo que sabemos é que foi montada uma comissão eleitoral e redigido um edital de convocação de eleição (anexado ao fim do texto).
A imensa dificuldade que havia para realizar uma eleição durante 3 anos, ao que parece magicamente desapareceu, pois, após a assembléia do dia 27, foi deliberado que as incrições de chapa ocorreriam no dia 11 de junho e o período eleitoral, de acordo com o edital, seria nos dias 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 de junho. Cabe, portanto, algumas perguntas sobre a construção deste processo:
1 - Por que, depois de 3 anos, um calendário eleitoral tão curto? Vide que o dia 11 (sendo o dia da inscrição de chapa) seria inviável qualquer tipo de campanha (a menos que uma chapa estivesse previamente preparada), 15 e 16 eram sábado e domingo, respectivamente, e 17, 18 e 19 dias de votação (sendo dia 19 véspera do feriado de corpus christi, o que acarretou uma universidade esvaziada, de acordo com Joana).
2 - Por que a eleição não foi puxada para agosto? De forma que houvesse tempo para a realização de debates e uma melhor apresentação das chapas ao corpo estudantil?
3 - A quem interessa uma eleição como esta, a toque de caixa?
O processo eleitoral ocorreu, no dia da votação, a aluna aqui citada comenta que, apesar da exigência documento oficial com foto exigida para votar, como previsto em edital, ela pôde votar sem qualquer tipo de comprovante, apenas disse seu nome completo, assinou e votou. Ela ainda comenta que, devido o baixo quorum e calendário espremido, o debate que havia sido marcado para o dia 17 de junho teve de ser adiado. Mais um fato grave desse "processo democrático". Como apresentar as propostas e as funções de uma APG para o corpo discente, sem nem ao menos um debate? Por fim, com ampla margem de votação, a chapa 1 (composta por membros do PCdoB e PT) obteve 321 votos. A chapa 2 (PSOL e idependentes) 53 votos. A anterior "comissão gestora" agora comemora, transformando-se em APG eleita. Como será a atuação da chapa recém eleita, veremos nos capítulos seguintes.
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Edital de convocação eleição APG 2019 - 2020