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Pra não dizer que não falei das flores... ou lendo a conjuntura a partir de ângulos diferentes

Agosto 06, 2019 - 17:49
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Nas últimas semanas vem acontecendo uma avalanche de notícias, declarações e ações do poder executivo e membros que comandam a política institucional do Brasil que tem deixado a sociedade num geral atônita. Muita gente tem reforçado o discurso moral contra o presidente, xingando, chamando-o de apelidos dos mais variados e vinculando as declarações dele com a loucura.

No entanto, engana-se quem acha que Jair Messias Bolsonaro é uma figura despreparada, burra ou algo nesse sentido. Ele é sim uma mistura de fantoche e cachorro louco do fascismo a serviço do capital. Mas de fato o presidente vêm fazendo justamente o que estava se programando. Importante notar que: 1) nunca houve uma agenda de governo desde as eleições; 2) a ala militar há um bom tempo que predomina é entreguista e ultraliberal, e ele tá seguindo essa linha (o próprio Mourão declarou isso no período eleitoral); 3) dá declarações chocantes direcionadas aos grupos opositores todos os dias, deixando bem claro que não está governando para o "país" e sim para quem o elegeu e ponto final; 4) ao mesmo tempo que vem agradando a quase todas as pautas das alas ligadas ao sistema financeiro, bancada ruralista, políticos de igrejas neopentecostais e parte da ala empresarial. Isso não deveria ser nenhuma novidade.

Tais ações políticas efetivamente estão expondo o fechamento literal da farsa da democracia representativa e escancarando de uma vez por todas uma ditadura plutocrática (plutocracia = governo dos ricos) na nossa cara. Bolsonaro quer ibope, vem conseguindo e ainda se comporta como se estivesse em campanha em diversas ocasiões. E deve permanecer assim por um bom tempo. Até porque a “pauta-mestra” é a reforma da previdência no momento e os esquemas não podem parar no andar de cima dos “podres poderes”. Logo, ainda há negociação entre o executivo e o legislativo para que ela seja aprovada. Depois que a reforma for aprovada as coisas podem ser reconfiguradas... ou não.

Ao mesmo tempo há uma gigante mistura de histeria e letargia do campo da esquerda institucional, que segue fazendo posts lacradores na internet, vídeos denunciando os mil absurdos do governo, declarações lamentáveis do presidente, colocando a culpa em quem votou no cara ano passado, arrancando os cabelos reivindicando a constituição (como se ela fosse um documento frio e sem vias de interpretação política), se apoiando o tempo todo num discurso que leva os caminhos (mais uma vez) quase somente rumo às vias eleitorais, achando que vão avançar em algo nos próximos anos (tem uma ala petista que claramente tem apostado no desgaste do governo, achando ótimo ele aprovar tudo e deixar em terra arrasada para depois voltarem como salvadores). Parece que não há outras formas de atuação no espectro da esquerda institucional.

Diante disso tudo parece que há também um esquecimento na análise de conjuntura atual, pois essa onda de governos de extrema direita é mundial e o Brasil é só mais um nesse tabuleiro. Outra coisa que precisamos perguntar é: vai ter mesmo eleições? Vale a pena mais uma vez gastar energia nesse jogo de cartas marcadas? Sim, porque depois de tantas provas de vazamentos de notícias sobre prisão de políticos e negociatas que envolvem diversas figuras dessa famigerada democracia; acordões entre partidos da ordem independente de quem está no poder; e comprovação de que todas as instâncias dos três poderes estão mais que contaminadas e sem a menor participação popular, precisa mais o que para setores da esquerda que joga de forma viciada essa farsa de dois em dois anos avançar para outras formas de atuação que rompam com a burocracia estatal e construam uma luta contra o capital de fato? Será que ainda acreditamos em um salvador ou uma figura menos pior, mais “democrática” que irá amansar os ânimos dos donos do capital e atender direitos reivindicados pelos movimentos sociais no momento político que vivemos? Será que é difícil entender que o momento virou e que não há qualquer forma de diálogo com os de cima, como por um tempo existiu na era petista? Enxugar gelo a favor do “mal menor” contra o fascismo escancarado de figuras como o presidente atual?

Até porque né, não poderia ser novidade para ninguém que quem comanda nesse sistema sempre foi o capital. Vale destacar que num período de recessão econômica em várias partes do mundo a mão de ferro de governos de extrema-direita sempre foram aliadas ao longo da história a setores ligados ao empresariado e sistema financeiro. Não esqueçamos: a propriedade e o lucro acima de tudo, questão básica.

Já o campo independente e autônomo, que sempre foi minoritário em números, segue bastante desarticulado, com muitos trabalhos bacanas em várias localidades, porém pouca conexão e com cada vez menos recursos para buscar essas ligações de trabalhos de base diferentes. Entendo que é necessário sim descentralizar as lutas, mas obter conexões que fortaleçam os laços de apoio mútuo e aí sim avançar da periferia para o centro. O problema, mais uma vez, é a falta de recursos e de gente para tocar os projetos já existentes e iniciativas que surgem volta e meia.

Enfim, situação difícil demais. Até pra se organizar em bairros e locais de trabalho está complicado por conta da exaustiva carga e tempo nos trabalhos, desânimo geral e o risco real de perseguição feroz bate sempre na porta. Lembrando sempre que a perseguição a movimentos populares independente de quem esteja no poder sempre foi algo cotidiano. Com a extrema direita é óbvio que só piora o cenário.

Por fim acho que a institucionalização da barbárie, genocídio da população nas periferias, assassinatos de indígenas e comunidades quilombolas são o mais urgente a se defender e buscar estar junto no momento. O crescimento das milícias nos centros urbanos e de grupos de jagunços no interior, combinados a uma situação de aumento da desigualdade social, extremo desemprego e pobreza, sacramenta um cenário de violência que vai se acentuar e mortes dessa galera que sempre sofreu... mas como agora a situação está se institucionalizando o sinal de alerta precisa sair das redes sociais e encontrar redes de solidariedade no dia-dia.

E tem solução? Imediata acho que não. Mas sem dúvidas a saída é buscar se organizar de forma séria. Não levar tão a ferro e fogo as publicações nas redes sociais e criarmos laços de militância e solidariedade no cotidiano. Para além de facebook ou instagram da vida. Buscar sermos menos “messiânicos” e ouvir mais. Didática e paciência são fundamentais para se avançar no cotidiano. Há espaços sim para conversar e expor o contraditório num sistema que exclui cada vez mais quem necessita. Onde ricos continuam enriquecendo e a população segue desempregada e sem perspectivas de vida para futuras gerações. Política não tem necessariamente a ver com voto de dois em dois anos... mas é sim a arte de debater e se organizar coletivamente em torno de pautas que envolvem a comunidade ou uma coletividade.

Importante demais buscar ocupar o imaginário em todos os espaços possíveis com falas fraternas de construção de um mundo novo, onde diversos mundos podem existir, e que o pensamento autoritário e fascista não podem caber em nenhuma dessas formas sociais a se construir coletivamente.

 
Guilherme Santana é professor do Pré Vestibular Machado de Assis no Morro da Providência, militante no campo da educação popular e libertária, é formado em Ciências Sociais pela UFRJ, mestre em educação pela UFRJ, doutorando em história comparada pela UFRJ, editor da Revista Estudos Libertários da UFRJ, é pesquisador do Observatório do Trabalho na América Latina da UFRJ (OTAL-UFRJ) e professor de sociologia da Rede Estadual de Educação do RJ.

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